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Editado por Harlequin Ibérica.

Uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2003 Sandra Myles

© 2015 Harlequin Ibérica, uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Rendição siciliana, n.º 803 - Junho 2015

Título original: The Sicilian Surrender

Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.

Publicado em português em 2004

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Sabrina e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-6972-1

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño, S.L.

Sumário

 

Página de título

Créditos

Sumário

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12

Epílogo

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Capítulo 1

 

O sol era uma esfera dourada e imprecisa no céu nublado, enquanto o vento siroco, que soprava do mar, uivava entre as ruínas do castello como um coro de vozes ancestrais dos gladiadores rebeldes que, num tempo passado, tinham defendido aquele pedaço da Sicília contra o antigo Império Romano.

Stefano Lucchesi pensou naqueles homens, enquanto subia os últimos degraus de pedra e se detinha no alto da escarpa. A oeste, dormitava, inactivo, o monte Etna. Aos pés da montanha, as águas tormentosas do Mediterrâneo batiam na costa rochosa.

Quantas vezes teria ocupado um sentinela aquela mesma posição, enquanto vigiava a chegada do inimigo? Romanos, gregos, árabes e normandos tinham vertido o seu sangue naquela mesma terra na sua sede de conquista. Os piratas tinham espreitado perto da costa a passagem de navios incautos, qual matilha de lobos famintos.

Os invasores, um após outro, tinham conquistado a terra dos seus antepassados, até que, finalmente, esta se libertou dos seus grilhões e ganhou um inimigo próprio, uma aristocracia que enriqueceu graças ao suor de todos aqueles que tinham cultivado aquele solo pedregoso.

Stefano voltou-se de costas para o mar, colocou as mãos nos bolsos das suas calças de ganga e contemplou o seu reino. O passar do tempo não tinha sido generoso. As ruínas do castello reduziam-se a uns poucos muros de pedra desmoronados e a um punhado de colunas.

Até o terreno tinha sido vendido. Stefano tinha ordenado ao seu advogado que comprasse novamente a terra, pedaço a pedaço, aos anciões encurvados, vestidos de preto, que lhe recordavam o seu avô. Stefano tinha pago um preço mais do que justo, mas os representantes do seu escritório não tinham tido êxito.

Todos os proprietários se mostraram contentes perante a ideia de venderem uma terra basicamente árida e seca até terem ouvido o nome do comprador.

– Lucchesi? – tinham repetido.

Um deles até tinha cuspido na terra à laia de resposta.

Mas, porquê?

Stefano tinha sido criado nos Estados Unidos, onde o seu avô tinha emigrado décadas antes do seu nascimento. O seu pai tinha falecido, quando não era mais do que um rapaz e a sua mãe, proclamada rainha na festa de antigos alunos da sua Nova Orleães natal, tinha-o arrastado de cidade em cidade numa corrida frenética em busca de emoções. Tinha doze anos quando morreu. Então, os seus avós paternos, que mal conhecia, tomaram conta dele.

Entretanto, assustado e a ocultar o seu medo por detrás de uma máscara de arrogância, não tinha sido fácil lidar com ele.

A sua avó tinha-o alimentado, tinha-o vestido e desinteressara-se. O seu avô tinha tolerado a sua presença, ocupara-se da sua educação e, finalmente, afeiçoara-se de todo o coração ao seu neto.

Talvez, a idade avançada do seu avô, aliada ao facto de Stefano ter irrompido na sua vida tão tarde, explicasse que não tivesse nas suas veias aquilo a que Jack chamava «o selo da Máfia». O seu avô nunca lhe tinha contado histórias de vinganças e banhos de sangue. Pelo contrário, tinha-lhe falado de La Sicília, do Castello Lucchesi, das escarpas, do vulcão e do mar.

Essas eram as coisas que pulsavam no sangue de Stefano e que tanto apreciava, sem que nunca tivesse chegado a vê-las.

Só no seu leito de morte, o velho tinha reclamado a presença de Stefano e lhe tinha sussurrado ao ouvido palavras de honra, orgulho e famiglia. Contara-lhe também como se vira obrigado a abandonar tudo e se mudara para a América para salvar o que fosse possível. Falara-lhe do pai de Stefano e, de passagem, do próprio Stefano.

– Recuperarei o nossa terra – tinha prometido Stefano.

Tinha levado algum tempo. O seu companheiro de quarto na universidade estudava informática. Nesse tempo, surgiam milionários da noite para o dia, graças a empresas virtuais na Internet, e TJ queria converter-se num desses milionários. Tinha uma grande ideia, tinha talento, perspectiva... Só necessitava de dinheiro.

Num dia de Inverno, Stefano entrou no seu velho Volkswagen, dirigiu-se para Yale e seguiu rumo ao norte, para o casino, onde ganhou uma partida de póquer com apostas muito altas. Era a primeira vez que agia por instinto desde o dia em que tinha prometido ao seu avô que restauraria a honra da família Lucchesi, mas não pensou nisso.

Disse a si mesmo que merecia um dia de descanso. Era um bom jogador de póquer. Jogava na universidade só por diversão. De facto, tinha ganho o seu carro velho numa partida a meio da noite, na sua residência universitária, quando outro rapaz tinha pensado que era seguro apostar tudo o que havia na mesa.

Nessa noite, no casino, Stefano tinha ganho algo mais do que um carro.

Tinha ganho milhares de dólares.

O casino tinha-lhe oferecido um quarto. Tinha entrado a cambalear, tomado banho, dormido e regressado à mesa. Três dias mais tarde, tinha conduzido de regresso à universidade, espalhara uma pequena fortuna na cama do seu surpreendido companheiro de quarto e TJ ficara a olhar com incredulidade.

– O que fizeste, homem? Roubaste um banco?

– Aí tens o teu investimento inicial – disse Stefano. – Quero cinquenta e um por cento das acções da tua empresa.

Stefano apertou o maxilar. Tinham passado doze anos desde então.

O negócio tinha convertido Stefano num homem muito rico, mais rico do que jamais poderia ter sonhado. Embora a sua fortuna estivesse investida em companhias aéreas, em poços de petróleo no Texas, em apartamentos de luxo em Manhattan, nunca tinha esquecido a promessa que tinha feito ao seu avô.

Há dois anos, propusera-se cumpri-la, mas a conversa com o seu advogado tinha-lhe lembrado que havia lugares e pessoas a quem o passado e a raiva ainda lhes faziam ferver o sangue.

O siroco ardente bateu nas suas costas e formou redemoinhos no seu cabelo escuro sobre o seu rosto magro. Afastou as madeixas da cara e meteu as mãos novamente nos bolsos das suas calças de ganga.

– Dobra a nossa primeira oferta – tinha ordenado ao seu advogado.

– Isso é muito dinheiro. Esta terra não vale tanto...

– Não, mas o orgulho deles vale. Faz-lhes chegar a minha oferta e assegura-te de que compreendem que eu também tenho o meu orgulho. Explica-lhes que é uma oferta que não podem recusar.

Jack tinha assimilado as palavras de Stefano em silêncio. Finalmente, aclarou a garganta:

– Viste nos filmes, não foi?

Stefano tinha-se rido.

– Faz a oferta e depois informa-me.

Agora estava feito. Tudo o que tinha diante dos seus olhos, a terra, as escarpas, as ruínas do castello e a paisagem que se perdia no horizonte pertencia-lhe. Também era sua a casa que tinha construído além das ruínas. Tinha obrigado o arquitecto a render-se à paisagem escarpada e a utilizar as pedras originais do castelo. O resultado era uma mansão esplêndida, de tecto alto e paredes de vidro, que oferecia uma vista maravilhosa sobre o vulcão e o mar.

Stefano sorriu. Estava certo de que o seu avô se sentiria muito satisfeito.

Nessa noite, depois da chegada da lua, sairia novamente com uma garrafa de moscato e um copo. Serviria o vinho, ergueria o copo ao mar, brindaria pela alma de todos aqueles que o tinham precedido e procuraria que esse lugar permanecesse invisível para o resto do mundo.

Se a imprensa cor-de-rosa soubesse, tiraria o máximo proveito daquela situação. A notícia acrescentaria uma nota de romantismo aos mexericos que já o acompanhavam. Diziam que estava a erguer um império. Era um homem cheio de mistérios. Era uno lupo solo. Um lobo solitário.

Nisso, pelo menos, tinham razão. As Empresas Lucchesi tinham convertido Stefano numa figura pública. Por esse motivo, procurava o isolamento na sua vida privada.

Tinha seguido a seu esquema habitual na construção da sua nova casa. Só tinha contratado os profissionais que tinham aceite a assinatura de cláusulas de confidencialidade e tinha deixado muito claro que os seus advogados agiriam sem pensar duas vezes com relação ao cumprimento de todas as cláusulas. Sabia que podia chegar a saber-se com o tempo, mas, pelo menos por enquanto, teria direito a algum sossego.

Momentos antes, ouvira o zumbido de um helicóptero sobre a sua cabeça. Não havia nada de estranho nisso. Os helicópteros faziam parte do século vinte e um. Apesar de tudo, tinha olhado para ao céu, perguntando-se se os fotógrafos tinham conseguido encontrá-lo em tão pouco tempo.

– Stefano!

Stefano conteve a respiração. Seria o vento? O som daquela voz, a gritar o seu nome. Não. Tinha que ser o vento.

– Stefano! Olá! Não me ouves?

Piscou os olhos várias vezes. Era impossível que o vento ordenasse as palavras soltas em frases completas e que desenhasse a figura esbelta de uma mulher, que olhava para ele do sopé da colina, enquanto afastava a sua melena loira com uma mão e encostava a sua outra mão à volta da sua boca.

Carla? Essa ideia atingiu a sua mente. Era impossível. Estava em Nova Iorque. Despedira-se dela na semana anterior, enquanto as lágrimas deslizavam sobre o seu rosto perfeitamente maquilhado. Mas tinha deixado de chorar, assim que tinha compreendido que falava muito a sério e a sua voz tornara-se um grito, enquanto lhe atirava à cara o que pensava dele.

O problema tinha começado quando tinha irrompido pelo seu apartamento sem aviso prévio e tinha encontrado Stefano comodamente instalado na mesa da sala de jantar, a beber um café e a ver as fotografias da ilha. As escarpas açoitadas pelo vento, as ruínas do castelo e a casa nova.

– Meu Deus! – tinha exclamado, boquiaberta. – Querido, o que é isso?

Não teria feito sentido fingir que não sabia. O arquitecto tinha preparado uma bela pasta para o projecto final e cada fotografia estava cuidadosamente etiquetada.

Castello Lucchesi, Sicília.

– Uma casa – tinha respondido como se apenas se tratasse disso.

– A tua casa – tinha ela assinalado naquele tom ofegante que antes tinha considerado dotado de certo encanto e que agora só conseguia irritá-lo. – E é perfeita para a capa do primeiro número da Sonhos Nupciais.

– Não!

– Ora, Stefano – tinha-se sentado nos seus joelhos. – Sabes que me contrataram para que a Sonhos Nupciais se convertesse na melhor revista do planeta. O primeiro número é fundamental para o futuro da minha carreira.

Recusou pela segunda vez e ela mudou de táctica. Virou-se e sentou-se sobre ele. Então, beijou-o com aqueles lábios ardentes como o fogo.

Devia ter-se separado dela naquele mesmo instante. A relação estagnara. Tinha acabado e Stefano sabia-o. Tinha perdido o interesse por Carla. Era egocêntrica, superficial e reclamava um lugar na sua vida que não estava disposto a conceder-lhe de modo algum.

Assim, tinha levantado Carla do seu colo e tinha recusado novamente a sua ideia. O telefone tinha tocado quando ela tinha começado a chorar. Era o seu piloto a informá-lo que o seu avião privado já tinha sido atestado e que estava preparado para partir.

– Onde vais? – tinha gritado, quando se encaminhava para a porta. – Tens que o fazer por mim, Stefano. Tens que o fazer!

Ao ver que não respondia, Carla tinha passado das lágrimas aos insultos e aos gritos...

Agora estava ali. Nas suas terras. Na sua ilha. Estava a subir pela encosta da colina como uma imagem saída de um pesadelo.

Sentiu um nó no estômago. Estava furioso pelo seu atrevimento e por aquela intromissão no seu espaço privado. Disse a si mesmo que estava a ser ridículo e que aquele lugar não era sagrado. Só tinha direito a enfurecer-se por ela o ter seguido até ali sem a sua permissão, mas isso não evitava que afundasse as mãos nos bolsos com mais força ainda e apertasse os punhos.

– Querido! – gritou, quando chegou ao seu lado. – Não estás surpreendido?

– Como me encontraste? – perguntou, secamente.

– Essa não é uma saudação muito elegante.

– Tens razão. É uma pergunta. Responde.

Ela sorriu e pôs-se em bicos de pés para depositar um beijo delicado na boca imóvel de Stefano.

– Não foi difícil. Estou certa de que pensas que tenho a cabeça oca, mas até uma criança poderia...

– Lamento que tenhas feito uma viagem tão comprida para nada, Carla.

– É tudo o tens para me dizer depois de ter vindo até aqui para estar contigo?

Stefano fez um esgar. Ela tinha ido pelos seus próprios motivos. Ambos o sabiam.

– Um lugar tão maravilhoso, querido, e pensar que não tinhas intenção de o partilhar comigo...

– Vieste de helicóptero?

– Sim. Aterrámos num terreno um pouco afastado e depois apanhámos um táxi...

– Regressa e pede ao piloto que te leve ao aeroporto.

– Como? – perguntou Carla.

– Eu disse...

– Eu ouvi. Mas não posso acreditar que estejas a despachar-me.

As lágrimas cintilaram nos seus olhos. Stefano pensou que era muito boa nessas situações.

– Carla.

Falou com calma, consciente de que a ira que crescia no seu interior se aproximava de um ponto sem retorno, mas decidido a que ela não reparasse. Apreciava tanto o domínio de si mesmo como a intimidade. O impulso irracional era uma das características que menos admirava nos habitantes da Sicília. Tinha conduzido o seu avô à ruína.

– Não vais ficar aqui – sentenciou.

– Queres dizer...? – a sua voz tremeu. – Estás a dizer que não sou bem-vinda, é isso?

Esteve a ponto de voltar a rir-se. Acreditava seriamente que uma cena daquele tipo funcionaria?

– Quero dizer – assinalou com tacto. – Que não te convidei.

– Não era preciso fazê-lo. Estamos juntos há muito tempo – replicou Carla.

– Quatro meses – assinalou num tom gélido.

Era muito frio, mas não se importou.

– Quatro meses – repetiu ela com a mesma ênfase, como se de toda uma vida se tratasse.– E, agora, só porque te pedi um pequeno favor...

– Penso que a minha resposta foi muito clara. Ninguém vai pôr a minha casa na capa de uma revista – respondeu.

– Então, é a tua casa? – perguntou, com um sorriso ardiloso. – Não vais transformar esta propriedade num complexo turístico?

Stefano amaldiçoou-se entredentes pela sua credulidade.

– Adeus, Carla – disse e passou junto a ela.

Ela esticou a mão e prendeu-o pela manga da camisa.

– Não se trata só da capa, Stefano. Quero dedicar-lhe o número inteiro. Seria a revista mais alucinante que alguém alguma vez viu!

Stefano soltou-se de repente e iniciou a descida do monte. Carla apressou-se para o apanhar, mas escorregava com os sapatos de salto de agulha.

– Só te peço que me ouças, pode ser?

Stefano não respondeu.

– Tal como o planeei, manterias a privacidade ao mesmo tempo que se realçaria o carácter intimista da reportagem – explicou Carla.

Chegaram ao pé da colina. Stefano procurou com o olhar o táxi de Carla. A estrada e o caminho estavam desertos.

– Eis a minha ideia, Stefano – Carla encarou Stefano com uma expressão resplandecente por causa das luzes que se acenderam na parte traseira da casa. – Um profissional em cada área. Um fotógrafo de primeira categoria, um maquilhador famoso, uma modelo linda.

Gritou, quando Stefano a agarrou pelos cotovelos e puxou com força.

– Não! Será que estás surda? Não haverá reportagem nenhuma. Nada de modelos, nem fotógrafos nem nada.

– Estás a magoar-me.

Devia ser verdade. Afastou as mãos com cuidado e deu um passo atrás.

– Onde está o teu táxi?

– Disse para não esperar por mim – sorriu.

– Espera aqui. Pedirei a alguém que te leve a aeroporto – disse e afastou-se dela pela última vez.

– Stefano!

A sua voz soou suave como a brisa. Conseguiu arrepiar-lhe os pêlos da nuca, mas prosseguiu o seu caminho.

– Em que revista preferirias que aparecessem essas fotografias, na Sonhos Nupciais... ou na Rumores?

Stefano deteve-se.

– Tens um minuto para reconsiderar essa ameaça – disse, enquanto se voltava para ela. – Depois, expulsar-te-ei da minha propriedade.

Carla empalideceu. Estava assustada. Mas também estava decidida. Stefano notava-o naquela leve inclinação da cabeça.

– Já preparei tudo. A modelo, o fotógrafo, o maquilhador... Chegarão todos aqui, amanhã pela manhã.

– Desculpa? – replicou, boquiaberto.

– Disse que...

Aproximou-se dela com grande rapidez, agarrou-a pelos ombros e sacudiu-a até os seus dentes baterem como castanholas.

– De que raios estás a falar?

– Solta-me!

– Explica-te, maldita!

– Processar-te-ei por agressão, se não me soltares!

Não seria agressão, seria assassinato. Estava a um passo de cruzar essa fronteira. Aturdido perante a intensidade do seu arrebatamento, soltou Carla.

– Explica-te – repetiu.

– Eu gostaria, mas não me ouvirias – encolheu-se e olhou-o nos olhos.

Então, a sua voz adquiriu um tom mais agudo e a excitação brilhou nos seus olhos.

– Pensas que sabes tudo sobre ganhar dinheiro? É possível, mas não fazes a menor ideia de como funciona a indústria editorial. Tanto se lançares no mercado uma revista nova como se quiseres relançar uma publicação antiga, necessitas de um número que atraia todos os olhares. Basta um número e a revista obterá tanta publicidade que nem imaginas. E eu também.

– Ninguém porá um pé na minha propriedade sem a minha permissão – respondeu Stefano.

– Só estaremos aqui três dias, nada mais. Não vou insultar-te, oferecendo-te dinheiro para que nos permitas realizar a reportagem na tua propriedade.

Riu-se e Carla corou.

– Não me obrigues a tornar-te as coisas mais difíceis, querido.

– Obrigar?

– Queres manter a tua vida em segredo, não é? – esboçou um sorriso matreiro. – Ocorrem-me meia dúzia de jornais sensacionalistas que esfregariam as mãos de contentamento, se lhes oferecesse uma entrevista exclusiva com a amante do grande Stefano Lucchesi, além de umas fotografias aéreas da sua nova morada.

No silêncio que se seguiu, Stefano conseguiu distinguir tudo. O batimento do seu coração. O bramido longínquo das ondas e o grasnido agudo de uma ave por cima do mar agitado.

– Podia matar-te – disse com voz fraca. – Ninguém saberia. Só tenho que te arrastar até ao topo das escarpas e atirar-te daí. Quando os teus restos chegassem à costa, os caranguejos já teriam devorado a tua carne.

O sorriso de Carla tremeu, mas aproximou-se um pouco mais dele.

– Consegues comportar-te como um cretino sem coração quando queres, Stefano Lucchesi. Mas, assassinar uma mulher? Nunca.

Stefano olhou fixamente para a sua antiga amante por uns instantes intermináveis. Então, cuspiu para os pés dela, roçou o seu corpo ao passar junto dela e encaminhou-se para casa.

Era possível que os seus sonhos apontassem para muito alto. Ela tinha profanado aquele lugar.

Era possível que o seu avô tivesse feito bem ao afastar-se da ilha.