cover.jpg
portadilla.jpg

 

 

Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2010 Barbara McMahon. Todos os direitos reservados.

PORTA COM PORTA, N.º 1367 - Fevereiro 2013

Título original: Angel of Smoky Hollow

Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.

Publicado em português em 2013

 

Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.

Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.

® Harlequin, logotipo Harlequin e Bianca são marcas registadas por Harlequin Books S.A.

® e ™ São marcas registadas pela Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas que têm ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-2539-0

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

www.mtcolor.es

Capítulo 1

 

Angelica Cannon saiu do autocarro e chegou a um outro mundo. Arrastou a mochila pelas escadinhas do veículo e assegurou-se de que a apreciada caixa do seu violino não chocava com nada. Havia muita humidade e calor. As árvores que ladeavam a rua não ofereciam muita sombra.

Fora-se embora sem dizer a ninguém para onde ia. Tinha retirado uma grande soma em dinheiro da sua conta bancária, antes de comprar um bilhete de autocarro, com destino ao sul.

Três pares de olhos observaram-na. Dois deles pertenciam a dois homens com mais ou menos oitenta anos, de cabelo grisalho, que estavam vestidos com uma roupa que parecia ter sido desenhada durante a Grande Depressão. Estavam sentados em cadeiras de baloiço, mas tinham o corpo muito rígido, como se o facto de observar as pessoas a sair do autocarro fosse algo demasiado importante para perder ao balançarem-se.

O terceiro par de olhos fez com que ela sustivesse a respiração, fosse incapaz de se afastar do autocarro e se sentisse incapaz de respirar. O possuidor daquele olhar intenso estava apoiado de maneira casual, numa das colunas que davam suporte ao teto da estação.

Escuros e perigosos, os seus olhos refletiam grande masculinidade. Tinha cabelo preto e ondulado, mais comprimido do que o dos homens com quem ela se relacionava normalmente. Poderia ser o neto dos outros dois senhores. Certamente, não teria mais de trinta anos. Ao olhar para ele e ver como era musculado, quase se engasgou com a sua própria saliva. Sentiu-se atordoada com o brilho daqueles olhos e a maneira como lhe devorou o corpo com o olhar. O seu coração acelerou e a sua aparência sofisticada desapareceu durante breves segundos. Nunca sentira uma atração sexual tão intensa.

Respirou fundo e aproximou-se do trio que estava no terminal de autocarros, onde também havia uma loja e uma bomba de gasolina.

De ombros largos, braços e peito musculados, aquele homem cativante não podia esconder o seu corpo fantástico sob a t-shirt azul e justa, que vestira e combinara com calças de ganga e umas botas de motociclista. Tinha um rosto anguloso e escuro. Nunca na vida vira algo tão belo. Sentindo-se ainda mais alterada, desejou poder verificar o estado da sua maquilhagem, do seu cabelo e da sua roupa, assim como encontrar algo interessante para dizer, para o impressionar com a sua inteligência e sofisticação.

Roupa... Olhou para a que usava. A t-shirt e as calças de ganga que escolhera para a viagem eram bonitas, mas aquele não era o seu estilo habitual. De facto, apostaria que a mãe nem sequer sabia que tinha um par de calças de ganga.

Mas não queria pensar na progenitora! Tinha decidido ir-se embora para pensar na sua relação com os pais, no seu trabalho e no que queria fazer no futuro.

– Enganaste-te na paragem, querida? – perguntou o homem, ao vê-la a aproximar-se do alpendre.

Angelica quase desmaiou ao ouvir o tom de voz profundo e o sotaque do sul daquele estranho. Quase lhe pediu para falar mais. Mas decidiu simplesmente responder:

– É Smoky Hollow, no Kentucky?

– Sim – respondeu ele.

– Que bonita! – exclamou um dos idosos, como se ela não estivesse presente.

– Porque está aqui? É familiar de alguém que conheçamos? – perguntou o outro senhor.

– Era precisamente isso que eu ia perguntar – assegurou o jovem fascinante, afastando-se da coluna de uma maneira muito masculina.

Angelica perguntou a si mesma se as suas hormonas tinham sofrido algum tipo estranho de alteração desde que atravessara a fronteira daquele Estado. Queria aproximar-se do homem e namoriscar com ele.

Namoriscar? Nunca fizera nada parecido em toda a sua vida.

– Posso ajudar-te? – perguntou ele. – Sou Kirk Devon e conheço quase todos por aqui. Quem vieste ver?

– Webb Francis Muldoon – respondeu ela.

Kirk inclinou ligeiramente a cabeça e olhou para ela com intensidade.

– Webb Francis não está aqui.

Angelica engoliu em seco. Fantástico! Tinha percorrido centenas de quilómetros para ver um homem que nem sequer estava ali. Sentiu-se invadida por uma grande insegurança.

– Quando regressará?

– Não sei com certeza. Talvez dentro de alguns dias. Possivelmente, mais tarde. O que queres de Webb Francis? – quis saber Kirk, aproximando-se dela.

Angelica quis dar um passo atrás. Aquele tal Kirk era alto, mas não era só a sua estatura que chamava a atenção. Tinha uma bonita cintura estreita, pernas longas e uns ombros largos que aparentavam grande força. Denotava uma masculinidade a que ela não estava habituada. Estava fascinada e... Embargada.

– Prefiro explicar ao senhor Muldoon, pessoalmente – respondeu, com frieza.

Nesse momento, a porta do velho autocarro fechou-se e começou a afastar-se pela rua.

Angelica observou-o enquanto se afastava e depois voltou a olhar para o homem.

– Parece que o teu meio de transporte se foi embora e te deixou aqui. Webb Francis está no hospital de Bryceville. Tem pneumonia – explicou Kirk.

– Está doente... – murmurou ela.

O professor Simmons assegurara-lhe que seria bem recebida por Webb Francis. Ninguém sabia nada da sua doença.

– É teu amigo? – perguntou Kirk Devon, analisando-a com o olhar.

– É amigo de... Um amigo – respondeu Angelica, guardando silêncio. Não devia confiar em ninguém. Olhou novamente para o autocarro e pensou onde seria Bryceville.

– Tens um lugar onde ficar? – quis saber Kirk.

Ela abanou a cabeça. Pensara que Webb Francis lhe recomendaria uma hospedaria. Sabia que o professor Simmons escrevera uma carta ao velho amigo, para lhe explicar toda a situação. Tinha-a na mochila. Devia entregá-la ao senhor Muldoon quando o conhecesse. Olhou à sua volta e endireitou-se. Tinha viajado pela Europa e vivia em Manhattan, por isso, pensou que poderia sobreviver numa pequena vila do Kentucky.

– Há algum hotel aqui perto? – perguntou.

– Há uma casa de hóspedes, a de Sally Ann – respondeu ele. – Podes ficar lá esta noite e decidir o que fazer. Não me parece que Webb Francis vá regressar a casa dentro de uma semana. Vais ficar muito tempo?

Nesse momento, aproximou-se ainda mais dela, quase de maneira intimidativa. Tentou pegar na capa do violino para a ajudar, mas Angelica afastou-a bruscamente e chegou-se para trás.

– Consigo fazê-lo sozinha. Simplesmente, indique-me a direção que devo seguir.

Sentiu-se uma grande tensão na atmosfera, nesse momento. Kirk olhou para ela com dureza, mas esboçou imediatamente um leve sorriso e relaxou. Aquele sorriso alterou-lhe os sentidos e ficou consciente de que ele parecia ser um tipo inofensivo que queria ajudar. Mas não se sentia tranquila. Kirk era muito sensual. Não conseguia superar a atração que sentia por ele, porque tinha um sorriso arrebatador.

Mas cair rendida perante o primeiro homem atraente que encontrasse no caminho, não entrava nos seus planos. Pôs a mochila ao ombro e olhou para ele fixamente. Para além dela, ninguém tocava no seu valioso violino.

– Então, eu levo-te a mochila – disse Kirk, agarrando-a antes de Angelica conseguir evitar. – Não posso permitir que uma menina leve tantas coisas pesadas – acrescentou, virando-se e indicando-lhe que o seguisse.

Andaram debaixo de sol. Ela pensou que se soubesse que faria tanto calor no Kentucky no verão teria... Na verdade, não sabia o que teria feito. Olhou para o seu acompanhante e estranhou que não parecesse afetado pelas altas temperaturas. Se a velocidade a que andava era alguma indicação, não parecia estar consciente do calor... Enquanto ela estava a ficar com falta de ar.

– Não disseste como te chamas? – perguntou ele, ao fim de alguns instantes.

– Angelica Cannon – respondeu, certa de que ninguém da zona teria ouvido o seu nome.

Enquanto olhava à sua volta, sentiu-se como se tivesse dado um salto no tempo. Naquela aldeia, não havia muito entretenimento, nem ação. Mas, ao mesmo tempo, sentiu uma sensação curiosa de liberdade ao saber que as pessoas daquele lugar só chegariam a saber o que ela decidisse partilhar. Se quisesse, podia ser uma pessoa completamente anónima.

– Disse que Sally Ann tem uma casa de hóspedes, não é verdade? – indagou, começando a sentir-se agradecida por Kirk lhe levar a mochila. Tinha tanto calor!

A berma por onde seguiam era muito estreita e estava muito suja.

– Sim. Faz os melhores crepes deste lado do Mississípi. Numa certa manhã que lhe digas que queres comê-los, ela vai pôr-te um monte no prato. Parece que precisas de uma boa comida caseira.

Angelica franziu o sobrolho. Perguntou a si mesma se aquilo fora um comentário mal-intencionado a respeito da sua aparência magra. Possivelmente, ele achava que as mulheres precisavam de ter mais curvas para serem atraentes. Mas não devia importar-se. Kirk era um provinciano, não era artista, nem músico.

Saíra de viagem a meio da noite, porque não quisera enfrentar os pais. Eles tinham feito tanto por ela! Só queriam o melhor. Seria uma ingrata se os recriminasse. Não estava a virar as costas à sua vida. Gostava de música, era só porque... Precisava de descanso. Estava cansada.

Por muito que tentasse, os pais nunca a ouviam. Influenciavam-na sempre e diziam que sabiam o que era melhor para ela, que tinha quase vinte e cinco anos. Certamente, sabia o que lhe convinha, melhor do que eles.

Quando finalmente chegaram à casa de hóspedes, viu que se encontrava numa velha casa que a impressionava muito. Tinha um alpendre muito largo, águas-furtadas com persianas verdes e um jardim com relva maravilhosa. A moradia estava rodeada de arbustos e flores.

Kirk entrou no alpendre e bateu à porta mosquiteira da casa. Um momento depois, uma mulher apareceu no vestíbulo da entrada. Estava a secar as mãos num pano de cozinha.

– Kirk, que alegria ver-te! Aconteceu alguma coisa?

– Olá, Sally Ann! Trouxe-te uma hóspede.

– Estou a ver – disse a mulher, abrindo a porta mosquiteira e saindo para o alpendre. Olhou para Angelica com curiosidade. – Estavas à espera dela? – perguntou, inclinando ligeiramente a cabeça e sorrindo. Pôs o pano na parte de cima do avental.

Angelica abanou a cabeça.

– O senhor Devon disse-me que aceita hóspedes. Vim ver Webb Francis Muldoon, mas ao chegar, descobri que não está aqui.

– Não, o pobre homem está muito doente. Mae foi vê-lo hoje de manhã. Evelyn e Paul vão amanhã. Quando vais voltar a visitá-lo, Kirk?

– Talvez amanhã leve esta jovem para o ver, se ela quiser – respondeu, olhando para Angelica.

Ela analisou-o com o olhar durante alguns segundos. O seu bom senso avisou-a de que devia manter-se afastada daquele homem. Mas a verdade era que se se oferecesse para a levar, não teria de voltar a entrar no autocarro...

– Pagarei a gasolina para a viagem até Bryceville – replicou, olhando fixamente para Kirk.

– Não vale a pena, eu iria de qualquer forma – respondeu ele, franzindo o sobrolho. – Irei por volta das dez. Vemo-nos na loja da estação de serviço – acrescentou, virando-se e esboçando um grande sorriso para Sally Ann. – Cuida dela. Não está habituada ao Kentucky.

Depois, deu a mochila a Angelica.

Ela não podia questionar aquilo. Sentia-se como uma estranha, num planeta distante. Estava habituada ao asfalto, ao trânsito e a edifícios altos.

Antes de conseguir sequer agradecer ao seu guia resistente, apercebeu-se de que ele se virara e estava a afastar-se pelo mesmo caminho por onde tinham vindo.

– Obrigada – disse, em voz alta, para que pudesse ouvi-la.

Mas Kirk pareceu não reconhecer o seu agradecimento.

– Não consegue ouvir-te – explicou Sally Ann, tratando-a por tu. – Entra. Tenho um quarto muito agradável na parte da frente da casa. À noite é fresco.

Angelica assentiu com a cabeça e seguiu a sua anfitriã para o interior da moradia.

Os tetos altos da casa faziam com que a temperatura dentro de casa fosse aceitável. Era um alívio poder esconder-se do sol. Ao subir para o andar de cima, por umas escadas que chiavam a cada passo que davam, pensou em quantos anos teria aquela edificação.

– Aqui está. O que te parece? – perguntou Sally Ann, quando entraram num quarto espaçoso, com janelas amplas.

– É muito agradável – respondeu Angelica, observando a divisão.

Era muito diferente do seu apartamento elegante de Manhattan, onde havia sofás de couro e obras de arte moderna nas paredes. Aquele quarto era quente e acolhedor. Gostava.

– O jantar é servido às seis. Se não quiseres comer aqui, há um bom restaurante na vila.

– Eu gostaria de jantar aqui – comentou Angelica, deixando a mochila no chão. Depois, apertou a capa do seu prezado violino contra o peito. Era a única coisa que lhe parecia ser familiar naquele momento.

 

 

Kirk regressou à vila. Decidiu telefonar a Webb Francis assim que tivesse um telefone à mão. Perguntou a si mesmo se ele conheceria Angelica Cannon. Quando o visitara no dia anterior, o homem não tinha parecido preocupado com nenhuma visita. Pensou no que uma moça de que ninguém tinha ouvido falar poderia ter em comum com Webb Francis... Para além do violino. Webb Francis era um excelente violinista. Nos festivais de música que se celebravam na zona, era bem conhecido pelo seu talento. Talvez Angelica fosse uma estudante.

Melvin e Paul ainda estavam sentados no alpendre da estação de serviço. Tinham-se juntado a eles alguns homens da vila. Estavam à espera dele. Quando o viram, começaram a fazer perguntas a respeito da mulher que fora visitar Webb Francis.

– Não sei mais do que vocês já sabem. Mas amanhã, vou levá-la para o ver. Talvez descubra o que quer – explicou e, depois, conversou um pouco mais com os vizinhos.

Depois, foi para casa. Estava muito calor. No fim de julho, fazia sempre muito calor no Kentucky. Quando voltasse ao centro da vila, iria na sua motocicleta.

Quando finalmente chegou a casa, aproximou-se do telefone. Telefonou a Webb Francis.

– Estás à espera de uma tal Angelica Cannon? – perguntou, depois de verificar se o amigo estava melhor.

– Quem?

– Uma mulher que tem um violino, uma mochila, usa calças de ganga e é muito reservada.

– Não a conheço. Segundo me lembro, ninguém vinha visitar-me.

– Ela diz que esperava ver-te. Suponho que vai tentar convencer-te a dar-lhe aulas.

Webb Francis começou a tossir. Fê-lo durante um bom bocado.

– Não vou dar aulas. Diz-lhe para se ir embora.

– Amanhã, vou levá-la para te conhecer.