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Editado por Harlequin Ibérica.

Uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2009 Helen Conrad

© 2016 Harlequin Ibérica, uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Recordações esquecidas, n.º 1226 - Março 2016

Título original: The Italian’s Forgotten Baby

Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.

Publicado em português em 2010

 

Reservados todosos direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial.

Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Bianca e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença.

As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-7767-2

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño, S. L.

Sumário

 

Página de título

Créditos

Sumário

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Se gostou deste livro…

Capítulo 1

 

Marco DiSanto apoiou o seu corpo elegante e magro na cadeira de bambu e o cotovelo na mesinha de café. Os ventos da tarde atenuavam um pouco o calor. Mesmo assim era o único homem na ilha suficientemente louco para usar um fato italiano com aquele clima.

Estava ali por negócios ou procurava um amor perdido? Talvez tivesse chegado o momento de pôr a sua cabeça em ordem e agir de um modo coerente. Com a mão livre, tirou uma fotografia amarrotada do bolso e alisou-a contra a mesa. Olhou para ela.

Não importava quantas vezes olhasse para ela, o choque de ver aqueles olhos azuis fazia com que sentisse um arrepio de excitação. Uns olhos assim não existiam no mundo real. Tinha a certeza de que só existiam nas capas dos livros de ficção científica.

Mas o vendedor de bilhetes do aeroporto de Ranai reconhecera-a quando lhe mostrara a fotografia.

– Sim, claro. É Shayna. Certamente, encontrá-la-á no café de Kimo. Às vezes, trabalha lá.

Portanto, ali estava, a perguntar-se porque nada era conhecido. Pelo canto do olho, uns calções brancos que se ajustavam a umas nádegas femininas firmes sobre umas pernas bronzeadas atraíram a sua atenção. Não queria estabelecer contacto visual, ainda não, mas virou-se um pouco para ter uma visão melhor, incluindo uma t-shirt larga e provocadora que deixava ver o seu peito. Uma cascata de cabelo loiro caía sobre os seus ombros e emoldurava um bonito rosto que estava vivo pela gargalhada. Murmurou qualquer coisa obscena em italiano e olhou para a fotografia.

Sim, era ela. Mas nunca a vira na sua vida. Pelo menos, não em carne e osso.

Quem demónios podia ser? O homem do aeroporto chamara-lhe Shayna, supôs que seria o seu nome. Não sabia mais nada dela.

Pôs a fotografia no bolso do casaco e sentou-se numa mesa remota do pátio do café. Esperaria. Finalmente, ela teria de reparar nele.

Era engraçado que não conseguisse lembrar-se dela. Engraçado que não recordasse nada das duas últimas semanas que passara ali. Tentara, mas nada. Alguma coisa no acidente ou algo que acontecera enquanto estava ali fizera com que o seu cérebro bloqueasse. O psiquiatra que o tratara durante a sua recuperação chamara-lhe amnésia selectiva.

– Certamente, irá recuperando as lembranças a pouco e pouco – dissera, olhando para ele com o sobrolho franzido. – Um caso interessante. Espero que me mantenha em dia com os seus progressos.

Difícil. A ciência moderna não tinha respostas para ele, teria de enfrentar aquilo sozinho. Enquanto isso, a situação era muito incómoda. Aquelas duas semanas pareciam um enorme buraco na sua vida. Custava-lhe seguir em frente quando tinha esse vazio para preencher. Sabia que estivera naquela ilha, mas não sabia o que fizera enquanto estava ali ou com quem o fizera.

E um problema acrescentado: faltavam-lhe uns desenhos importantes em que estivera a trabalhar. Tê-los-ia deixado ali? Tinha de saber e tinha de os encontrar, rapidamente. Fora por isso que voltara, para ver se era capaz de reconstruir o que acontecera naquelas duas semanas.

Ela saiu do café com uma bandeja. Olhou para ela enquanto servia uma mesa cheia de turistas. Alguém lhe disse qualquer coisa e ela desatou a rir-se. Conseguiu ouvi-la rir, mas estava demasiado longe para entender o que dizia. Olhou para ela intensamente, chegando a tirar os óculos escuros para a ver melhor. De certeza que isso despertaria alguma coisa nele.

Mas não. Nada.

Voltou a tirar a fotografia e olhou para ela. Sim, definitivamente era a mesma mulher. Ali estavam, a rir-se do mesmo modo, e ali estava ele, com um braço sobre os seus ombros numa atitude que falava de intimidade. Era evidente que, quando tinham tirado aquela fotografia, os dois eram amantes. Só de pensar nisso sentiu uma onda de calor nas zonas pertinentes do seu corpo. Como é que a sua memória podia ter apagado algo do género?

Ela pegou na bandeja vazia e fez um comentário que causou novamente uma onda de gargalhadas e ele preparou-se para o momento em que os seus olhares se encontrariam. O que faria? Reconhecê-lo-ia? Sorriria e aproximar-se-ia rapidamente? Abraçá-lo-ia? Beijá-lo-ia?

Mas virou-se para outra mesa para anotar um pedido. Não ia descobrir. Relaxou. Tinha mais tempo para olhar para ela.

E definitivamente era agradável olhar para ela. Mexia-se com graça, estilo e uma certa lentidão que falava de sensualidade. Parecia ser das ilhas, como parte da paisagem do paraíso. Só vê-la mexer-se despertava o seu instinto masculino.

Mas não despertava nenhuma lembrança.

Pensara que voltar poderia mudar as coisas e despertar as lembranças, mas não fora assim. Quando encontrara a fotografia, tivera a certeza de que, se conseguisse encontrar a mulher, recordaria. Estava claro que não era o tipo de mulher que se esquecia facilmente.

Observou-a a passar entre as mesas do terraço do café. Aproximava-se. A qualquer momento, vê-lo-ia. O momento da verdade.

Tinha um sorriso nos lábios quando se virou. Desapareceu quando o viu. Aqueles olhos azuis eram mais hipnóticos ao vivo, porém, naquele momento, estavam cheios de choque e depois arrefeceram como o gelo. Virou-se e foi-se embora.

Demorou um momento a perceber que fugia dele. Não o esperara. Levantou-se e foi atrás dela, mas um grupo de uma mesa acabara de se levantar e bloqueava-lhe o caminho. Quando conseguiu passar pelo grupo, já a perdera. Olhou para todos os lados, mas nada.

– Bolas! – praguejou em voz alta.

 

 

Shayna Pierce olhou para a sua Vespa. O seu impulso fora sentar-se nela e fugir. O único problema era que não tinha para onde fugir. O que raios estava a fazer? Era uma ilha pequena. Não conseguiria esconder-se dele.

Podia esperar que fosse de noite e perder-se no oceano no seu barco a motor, dirigir-se para a ainda mais pequena ilha de Coco onde passara o último mês, contudo, enquanto isso, o que podia fazer? Permanecer escondida naquele barracão poeirento? Não.

Suspirou e virou a Vespa. Tinha a certeza de que ele estaria na estrada à procura dela. Estranhava que não a tivesse encontrado no barracão. Sabia onde estacionava quando trabalhava no Café de Kimo. Parou e respirou fundo antes de sair para o sol.

Porque voltara? As suas emoções eram incontroláveis. Tinha de reconhecer que só de o ver sentia um aperto no coração e um nó no estômago. O que fazer quando os sentimentos eram tão traidores?

Reprimi-los. Fora o que prometera. Mas fugir não ia mudar as coisas. Tinha de o enfrentar. Não havia outro modo já que estava ali. Com um gemido de arrependimento, empurrou as portas e saiu para a estrada.

Ali estava ele, a olhar para a cidade com a mão a proteger-lhe os olhos, procurando na direcção errada. Ligou a mota quando ele se virou para olhar para ela. Sentou-se e conduziu para a frente até parar ao lado dele.

– Senta-te – disse. – Temos de falar.

Tirando os óculos, olhou para ela nos olhos. Parecia procurar alguma coisa que não encontrou. Não havia nenhum carinho no seu olhar, nenhuma prova de lembranças comuns, da intimidade passada. Ficou atónita. Desprezava-a, não era? Certamente, fizera-o desde o começo. Bom, em muitos aspectos, o sentimento era mútuo.

Oh, a quem tentava enganar? Só de olhar para ele sentia que o seu coração acelerava. Era um homem tão bonito, com o seu perfil romano, os seus olhos escuros enormes… e aquele corpo, aquelas mãos maravilhosas…

Desviou o olhar. Tinha de parar antes de cair da Vespa, desmaiada.

– Vamos – disse, impaciente. – Vamos para minha casa. Falaremos lá – olhou para ele de soslaio. – A menos que estejas demasiado ocupado – acrescentou, à defesa.

Ele não disse nenhuma palavra. Passou a perna por cima do banco e agarrou-se à beira quando ela arrancou.

Shayna debatia-se no mais absoluto caos. Pensara que nunca mais voltaria a vê-lo e ali estava. Havia uma centena de razões por que desejava que não tivesse voltado. E havia uma muito clara por que devia manter a distância: estava louca por ele.

Ou, pelo menos, estivera antes de perceber que tinham uma ligação que não conhecera. Uma ligação feia e dolorosa que fazia com que a sua relação fosse impossível.

Mesmo assim ali estava ele e teria de enfrentar o que houvera entre eles e o que o destruíra. Eram pessoas razoáveis. Tinham de chegar a um acordo.

Correu pela estrada a toda a velocidade. Tinha muitas perguntas. Ele responderia a alguma? A primeira coisa que queria saber era se alguma vez gostara dela, mas não lhe faria essa pergunta. Tudo apontava para uma resposta negativa.

Depois, queria saber quanto é que o seu pai lhe pagara para a procurar. E, finalmente, e o mais perturbador, porque é que o seu pai ainda não entrara em contacto com ela? Tivera tanta certeza, quando descobrira que Marco trabalhava para o seu pai, de que apareceria alguém e que a arrastaria para Nova Iorque que passara o último mês escondida em Coco.

Mas não aparecera ninguém. Ninguém lhe falara sobre visitas. O que se passara? Marco teria decidido não dizer nada ao seu pai? Teria pensado melhor? Se fosse assim, a sua conduta não o demonstrava.

Mesmo assim, no mais profundo do seu coração esperava que o seu regresso significasse… Não, não podia dizê-lo com palavras. Não podia permitir-se tantas esperanças. Não era assim tão ingénua.

Parou a mota em frente da sua casa minúscula e desligou o motor. Marco saiu e ela fez o mesmo. Olhou para ele, tentando ser tão fria como ele.

Contudo, então, aconteceu uma coisa engraçada. Ele parou e percorreu a zona com o olhar como se nunca tivesse estado lá. Estranho. O normal seria que estivesse a caminhar para sua casa.

– Vamos – disse ela, fazendo um gesto com a cabeça.

– Tu primeiro – disse ele.

Ela franziu o sobrolho. Havia algo estranho em tudo aquilo. Estaria doente? Teria acontecido alguma coisa má? De repente, sentiu uma onda de preocupação e deu um passo para ele.

– O que se passa, Marco? Estás bem? Passa-se alguma coisa?

– Estou bem – disse, directo. – Vamos.

Ela hesitou. Falava da mesma forma. Tinha o mesmo aspecto, à excepção da frieza nos olhos. Mas alguma coisa não estava bem. Não parecia a mesma pessoa.

Recordou a primeira vez que o vira há dois meses. Voltava, cansada e suada, de uma caminhada pelo extremo contrário da ilha e ia entrar na sua cabana quando ouvira um grito na água. Semicerrando os olhos, vira alguém a lutar dentro do recife. A sua formação de socorrista recebida na adolescência fizera-a atirar-se à água com o seu pequeno bote com motor.

Shayna ao resgate! Sentira-se como um membro exemplar da sociedade… Ia salvar uma vida.

Arrancou o motor e dirigiu-se para onde vira o homem. Continuava a chapinhar na água, mas não demorara muito tempo a perceber que a situação não era perigosa para a sua vida. A água dentro do recife era cristalina. Quando parara o bote e se levantara para observar a cena, vira um homem caído e uma colecção de bolhas flutuantes azuis que se dispersavam como uma frota. O pobre tipo metera-se com uma alforreca e tentava livrar-se dela.

– Oh! – dissera ela, ao ver as bolhas vermelhas no pescoço e nos ombros. – Não a viste vir? – ele olhara para ela com fúria, mas não dissera nada. – Não vai matar-te a menos que sejas alérgico.

– Certo – dissera, com os dentes cerrados. – Suponho que, se fosse, já estaria morto.

– Sei que é doloroso – encolhera os ombros, – mas pensa que é temporário.

Abanara a cabeça ao olhar para ele naquele momento. Se soubesse então quem realmente era… Mas que diferença teria havido? Realmente não sabia.

Recordou como o seu olhar percorrera o corpo bem moldado dele. Recordou que vestia um fato-de-banho escasso, o resto estava à mostra e valia a pena. Quem não gostava de observar o corpo de um homem bem feito? Mesmo assim havia outras preocupações a considerar.

– Entra – dissera-lhe. – Ajudar-te-ei.

Ele continuara a chapinhar na água como se quisesse lutar contra o seu atacante e ela começara a perder a paciência.

– Olha, queres que te leve para a margem ou não? Tenho coisas para fazer.

Não esperara por outro convite. Segundos depois, subira para o bote.

– Água – resmungara ele, retorcendo-se.

Sabia que não tinha sede. Ao vê-lo assim, apontara para o seu cantil, mas tirara uma chávena.

– Água doce não – dissera-lhe ela. – A água salgada é melhor para neutralizar o efeito dos tentáculos.

Ele olhara para ela, céptico, mas molhara-se com água salgada, retorcendo-se e mordendo o lábio inferior.

– Vou esfregar-te a pele – dissera ela, tentando manter um ar clínico.

Sabia que não ia ser capaz de ignorar que aquele homem tinha um corpo criado para seduzir uma mulher. Ele continuava a olhar para a criatura marinha e ela impediu-o.

– Só conseguirás fazer com que te pique também nas mãos – dissera-lhe, enquanto ele gritava de dor.

Procurou no fundo do bote e encontrou um pano relativamente limpo. Virando-se para ele rapidamente, começou a esfregar os tentáculos gelatinosos que lhe irritavam as costas, misturando água do mar e, depois, esfregando com cuidado.

– Tudo bem? – perguntara depois de uma primeira limpeza.

Virando-se, lançara-lhe um olhar e depois tirara-lhe o pano para o passar pelo peito.

– Obrigado – dissera. – Talvez não o pareça, mas agradeço realmente.

– De nada – respondera ela, escondendo um sorriso enquanto o observava a limpar os restos da alforreca.

Enquanto isso, atirara-lhe algumas chávenas de água pelo pescoço e pelas costas.

Realmente era bonito. Não parecia ter gordura a mais. Parecia em forma, musculado e ter cerca de trinta anos.

O ideal para ela, pensara. Conhecer um homem como aquele fora exactamente o que tentara evitar, mas tivera de reconhecer que esquecera essa ideia, não sem uma sensação de arrependimento.

– Não quero voltar a passar por isto – declarara ele, depois de tirar quase todos os tentáculos. – Sinto-me como se alguma coisa me tivesse tirado um milhão de pêlos da pele, um a um. Nunca teria pensado que algo que parece tão simples pudesse ser tão doloroso – franziu o sobrolho. – Foi horrível!

– Ouvi dizer que sim – dissera ela.

Virara-se para olhar para ela e ela tivera a sensação de que era a primeira vez que a via. Percorrera-a com o olhar, parando nas suas pernas bronzeadas.

– Alguma vez te picaram?

– A mim não. Presto atenção ao que se passa à minha volta – soubera que parecera presunçosa, mas não conseguira evitar brincar.

– Eu só… – parara, evidentemente consciente de que estava à defesa. – Este não é o meu território. Não voltará a acontecer.

Finalmente, sorrira. Acreditara então e acreditava naquele momento. Tinha o aspecto de um homem que não era muito sonhador no seu trabalho.

– Parecia tão bonita, como balões azuis a aproximarem-se de mim pela água. Só percebi que estava viva quando começou a picar-me

– Muitas das plantas e dos animais mais bonitos escondem um veneno mortal – indicara ela, num tom mais filosófico do que biológico.

Para sua surpresa, ele começara a rir-se.

– Isso é uma espécie de aviso?

Shayna também se rira ao ter consciência de que podia interpretar-se assim. Gostara do brilho dos seus olhos e pensara que talvez não fosse tão distante quando não tivesse dores.

– Senta-te – dissera, deslocando-se para o lugar de onde guiava o barco a motor. – Levo-te até à margem.

Sentira-o a estudá-la enquanto voltavam para terra. Para sua surpresa, percebera que gostava. Chegara àquelas ilhas há quase um ano e tivera especial cuidado para não despertar o interesse dos homens.

Não estava ali à procura de romances. Estava ali por causa da sua saúde. A sua intenção era viver modestamente e não atrair a atenção da população local. Os turistas eram um mal necessário dado que trabalhava no Café de Kimo, mas soubera ser amigável e reservada ao mesmo tempo.

E viver assim funcionara. Ninguém parecia questionar a sua presença. Ninguém a acusara de estar a esconder-se. Talvez fosse porque a maioria dos vagabundos que andavam por ali estavam a fazer o mesmo que ela. Ainda tinha esperanças de que ele não mudasse isso, mas então, porque estava ali outra vez?

Olhou para a parte do seu pescoço que via. Não havia rasto da picada da alforreca. Recordou como naquele dia o levara para a margem e prendera o seu bote ao porto que usava. A sua casinha ficava um pouco afastada da água, mas era visível entre os troncos dos coqueiros devido ao amarelo brilhante das suas paredes e os hibiscos desenfreados que cresciam à sua volta.

– Alojas-te no hotel? – perguntara-lhe, pensando em oferecer-se para o levar na Vespa.

– Só há um? – perguntara-lhe, divertido.

– Hotel? – assentira. – Estamos realmente muito longe. Não chega muito turismo. A maioria dos visitantes vem pescar ou às regatas de iates que há uma vez por ano.

– Sim…

– Portanto… Vens porquê?

– Eu? Por nenhuma das duas razões – respondera, críptico. – Suponho que poderia dizer que estou aqui para me restabelecer. Uma pequena recuperação.

Dissera-o no tom de alguém que não gosta de dar muitas explicações, portanto deixara-o passar.

E, nesse momento, sabia que fora o seu grande erro. Em breve descobrira que fora à ilha para a procurar. Bom, encontrara-a. E depois fora-se embora sem ela.

E ali o tinha de volta.

Mas tudo isso acontecera há quatro semanas. Lançou-lhe um olhar afiado. Porque voltara?

Tinham passado alguns minutos desde que tinham chegado na Vespa. Continuava ali de pé com ar de estar um pouco perdido e ela dedicava-se a recordar, a pensar no antigo Marco que estivera antes ali. Este novo Marco parecia incomodado em contraste com o anterior, embora não fosse tão atraente. Ainda que o facto de saber mais coisas sobre ele pudesse ter alguma coisa a ver com isso.

Se lhe tivesse feito um interrogatório naquele momento há quatro semanas, quando o encontrara na água, talvez pudesse ter-se poupado muitos problemas.

Capítulo 2

 

Marco teria dito que ela estava a perguntar-se o que fazer com ele e talvez a meditar sobre coisas que partilhara no passado, portanto esperou. Precisava de tempo. Custava-lhe enfrentar tudo aquilo. Uma mulher bonita, um passado esquecido… Era tudo um pouco extravagante. Conseguia apreciar a beleza de Shayna. Não tinha nenhuma dúvida de que as suas férias em Ranai deviam ter sido espectaculares se estivera na sua companhia como sugeriam as provas. Mas fazia com que fosse uma loucura ainda maior que não conseguisse recordá-la.

E, além disso, havia outra coisa. Porque fugira dele?

Essa era a pergunta que tinha de responder. Vira o receio nos seus olhos. A sua primeira reacção fora de surpresa, mas fora seguida pelo receio e fugira a correr… Nunca fora um cobarde com as mulheres, mas também nunca fora um canalha. O que esperara que fizesse? Fosse o que fosse, pensara melhor e decidira ser razoável.

Mas não conseguia livrar-se daquela pergunta incómoda. Porque fugira? Emocionara-o e debilitara a sua confiança de um modo a que não estava habituado. Talvez essa situação de amnésia tivesse mais facetas do que pensara. Talvez o seu subconsciente quisesse realmente protegê-lo. Talvez houvesse qualquer coisa sobre si próprio que não ia gostar de descobrir.

Teria ficado menos surpreendido se ela tivesse agido com menos preocupação ou se tivesse olhado para ele e, sem o reconhecer, lhe tivesse perguntado se queria almoçar. Mas não fizera isso. Olhara para ele, reconhecera-o imediatamente e fugira a correr.

O que lhe teria feito? Sentiu que um arrepio de desconforto lhe percorria as costas. O que podia ter feito para provocar uma reacção semelhante?

Olhou para ela e tentou ler-lhe o pensamento através dos seus olhos excepcionais. Estava hesitante, à espera que ele se dirigisse para sua casa. Isso era um problema. Não sabia qual era a sua casa. Havia duas casinhas, uma de cada lado de onde tinham parado. Recuou para parecer amável e deixá-la passar.