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Editado por Harlequin Ibérica.

Uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2017 Sara Craven

© 2019 Harlequin Ibérica, uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Inocente segredo, n.º 1797 - setembro 2019

Título original: The Innocent’s Shameful Secret

Publicado originalmente por Harlequin Enterprises, Ltd.

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial.

Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Sabrina e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença.

As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited.

Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-1328-265-7

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño, S.L.

Sumário

 

Créditos

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12

Epílogo

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Capítulo 1

 

 

 

 

 

Selena viu a carta assim que abriu a porta da frente. O envelope azul sobre o tapete castanho era inconfundível.

Ela parou bruscamente, ao reconhecer o selo grego. Um nó formou-se no seu estômago enquanto uma imagem repentina surgia na sua mente, a de colunas altas a erguerem-se em direção ao céu azul, com uma extensão de relva escondida entre as pedras caídas aos pés deles. E o murmúrio suave da voz de um homem sob o sol e o roçar de mãos, lábios e o contato da pele nua e quente contra a sua.

Meio atordoada, ela soltou um grito e o saco de plástico que trazia escapou-se-lhe dos dedos dormentes, fazendo com que os limões que lá estavam dentro caíssem e rolassem pelo estreito vestíbulo até junto à escadaria.

Foi quase no mesmo instante que se deu conta de que a letra irregular no envelope só podia ser de Millie. De mais ninguém. E a apreensão foi substituída por uma crescente raiva.

Quase um ano de silêncio, pensou com a garganta a fechar-se. E agora… o quê? Outra série de recriminações e acusações, exatamente como a voz furiosa da irmã tinha penetrado nos sentidos abalados dela durante a última desastrosa conversa ao telefone?

– A culpa é toda tua – acusara Millie, entre lágrimas. – Era suposto ajudares, compores as coisas. Em vez disso, comportaste-te como uma idiota sem cérebro e arruinaste tudo. Jamais te vou perdoar, jamais, e nunca mais te quero ver, nem falar contigo.

E o telefone fora desligado com um ruído tão alto que soara como se Millie estivesse no quarto ao lado em vez de a centenas de quilómetros, num restaurante de uma remota ilha grega.

Ela ficou com a certeza de que não havia nada que pudesse dizer em sua defesa, mesmo que Millie estivesse preparada para ouvir. De que se comportara como uma tola e pior do que uma tola. Mas sofrera pelo que tinha feito, de um modo que Millie nem sequer podia imaginar. Ou estava determinada a ignorar.

Porque desde aquele telefonema, não acontecera mais nada. Até agora…

Sentiu-se fortemente tentada a deixar a carta ali. A passar por cima do envelope, avançar até à sua sala de estar e começar a nova vida que preenchera os seus pensamentos no percurso do autocarro até casa.

Mas a carta continuaria ali. Não desapareceria ou dissipar-se-ia com a brisa. E, apesar de tudo, a curiosidade levaria a melhor.

Tensa, inclinou-se e agarrou no envelope. Atravessando a sala, poisou-o na bancada da pequena cozinha antes de encher a cafeteira com água e colocá-la ao lume.

Antes planeara fazer uma jarra de limonada, fresca com gelo, e desfrutá-la no calor do seu pequeno pátio. Uma celebração tranquila daquele inesperado recomeço.

Agora, em vez disso, o que precisava era de cafeína, pensou taciturna, enquanto tirava a jarra do café e um coador do armário.

Enquanto a água não levantava fervura, voltou ao vestíbulo, apanhou os limões e colocou-os na fruteira.

Era uma idiotice, disse a si mesma, entrar em pânico daquela maneira. Desnecessário também. Pensara realmente, mesmo por um momento…?

«Não», disse a si mesma com dureza, com os punhos a fecharem-se ao longo do corpo. «Não vás por aí. Outra vez, não. Nunca mais.»

Fez o café forte, levou-o até ao lado de fora e sentou-se no velho banco de madeira no canto onde havia mais sombra. Tratou de recapitular os acontecimentos dessa manhã e tentou absorver algo do otimismo deles.

Estava sozinha na sala de aula, a retirar o cartaz da parede para a Sra. Forbes e a colocá-lo numa grande pasta, enquanto considerava ansiosamente como deveria ocupar as seis semanas de verão não remuneradas que tinha pela frente, quando os seus devaneios foram interrompidos pela chegada da Sra. Smithson, a chefe dos professores.

Ela avisara num tom sério, sem preâmbulos:

– Lena, soubemos na semana passada que a Megan Greig decidiu não regressar após a sua licença de maternidade. O teu emprego de assistente tornou-se, portanto, um cargo permanente em vez de temporário, e os funcionários e os diretores concordam comigo. – Ofereceu a Selena um sorriso breve, amistoso. – Tens trabalhado arduamente e tornaste-te um verdadeiro membro da equipa de Barstock Grange. Todos queremos que isso se mantenha, especialmente a Sra. Forbes, e esperamos que tu queiras o mesmo.

– Bem… sim. – Selena ficou ciente de que devia estar a soar abalada, tendo esperado ficar desempregada uma vez mais e provavelmente sem-abrigo no Natal. – Isso… Isso é ótimo.

Daquela vez, o sorriso da Sra. Smithson foi mais largo, revelando alívio.

– Então, ficamos todos satisfeitos. Receberás a confirmação oficial na próxima semana ou nos dias seguintes. E… encontramo-nos no próximo ano letivo.

O estado de euforia de Selena durara todo o trajeto de autocarro até casa e ao longo da breve caminhada até à sua pequena casa arrendada, com terraço. Até que abrira a porta…

Não precisava ser submetida a outro sermão, pensou cansada, ou, de facto, à outra possibilidade – um pedido para que emprestasse dinheiro.

Se for esse o caso, ela vai ficar desapontada, pensou para si mesma, porque estou mais dura.

Além do mais, preciso concentrar-me nas minhas próprias prioridades, como procurar um lugar para viver onde crianças e animais sejam permitidos.

Ela e Millie sempre desejaram ter um animal de estimação, recordava-se, mas a tia Nora nunca concordou, acreditando talvez que duas sobrinhas órfãs eram responsabilidade suficiente.

E, considerando o que acontecera, talvez ela tivesse razão.

Ao longo dos anos, ficara claro para Selena que a senhorita Conway oferecera às filhas da falecida irmã um lar mais por sentido de dever do que por afeto. As visitas familiares tinham-se tornado escassas depois de elas terem crescido. Mas, conforme ficara mais velha, dera-se conta de que a decisão da tia fora baseada em interesse próprio.

O seu valorizado papel como um pilar da sociedade local de Haylesford teria sido seriamente abalado se a notícia de que ela permitira que as sobrinhas fossem parar a um orfanato se tivesse espalhado. Muitas pessoas teriam comentado que a caridade devia começar em casa.

Tendo vivenciado isso, Selena não tinha tanta certeza. Aos 11 anos, chocada e arrasada com a perda dos pais, mortos numa colisão com um condutor que não prestara socorro, não se importara para onde ela e Millie iriam, ou o que lhes aconteceria, desde que ficassem juntas. Embora fossem diferentes, como a água e o vinho, tanto fisicamente como em termos de temperamento.

Millie, dois anos mais nova do que ela, era uma rapariga dourada, de compleição pequena, curvilínea e bonita, com um cabelo loiro intenso e ligeiramente ondulado. Selena era alta e magra. Os seus olhos eram cinzentos ao passo que os de Millie eram azuis e a sua pele era muito mais clara do que o tom saudável da irmã.

Mas a grande diferença era o cabelo dela, de um loiro platinado e totalmente liso, que caía até ao meio das costas, mesmo quando confinado à grossa trança que a tia Nora insistia que usasse.

Cabelo como o luar…

Oh, Deus, pensou, enquanto a recordação a atingia em cheio. Não fraca, como acreditara e esperara, mas bastante forte e vívida.

Enrijeceu os músculos no banco e afundou as unhas nas palmas das mãos enquanto tentava obrigar aquela recordação a voltar ao esquecimento que merecia.

Ninguém nunca lhe diria aquilo novamente. Certificara-se disso há muito tempo, deixando as longas madeixas sedosas no chão do salão de cabeleireiro de Haylesford em troca de um corte Chanel com fios leves a emoldurarem-lhe as faces e dando ênfase às salientes maçãs de rosto.

Mais uma diferença entre ambas, pensou, enquanto voltava a pensar em Millie.

Ela parece-se com a nossa mãe e eu puxei ao lado da família do nosso pai, refletiu, vencendo o nó na garganta. Ele sempre afirmara que tinha ancestrais Vikings e era de onde se originavam os seus cabelos e olhos. Por outro lado, ele tendera a levar a vida de maneira descontraída como Millie, enquanto a mãe fora a parte mais estável e séria da família. Como Selena acreditava que era.

Mas qualquer que fosse a razão para a relutância da tia Nora em acolhê-las não podia ser porque não gostava de crianças, porque ela geria uma escola particular para meninas, e uma escola bem-sucedida. O estabelecimento ministrava aulas às alunas que precisavam de ajuda extra para passar nos exames para séries mais avançadas em outras escolas.

Não que ela e Millie tivessem sido colocadas na Escola Meade House, embora tivessem menos de 13 anos, a média de idade das meninas que a frequentavam. Em vez disso, tinham ido estudar numa escola pública.

Enquanto isso, os planos a longo prazo que a tia tinha para elas guardara-os para si, pensou Selena secamente.

Bebeu mais um pouco de café, perguntando-se por que estava a percorrer aqueles caminhos já trilhados outra vez. Sobretudo quando garantira a si mesma que a melhor maneira de sobreviver era fechar a porta do passado. Pensar apenas no futuro.

Ou aquilo era simples procrastinação? O adiar do instante em que teria de lidar com a carta de Millie, ainda na cozinha, a exigir silenciosamente a sua atenção total.

Era hora de lidar com aquilo de uma vez por todas, decidiu, enquanto terminava o café e entrava em casa.

O único pedaço de papel dentro do envelope parecia ter sido arrancado de um pequeno bloco de notas.

«Lena», escrevera Millie. «Temos de conversar. É uma emergência. Então, por favor, por favor, liga-me.» Ela acrescentara o número de telefone, incluindo o código e assinara «M».

Breve, mas nada meiga, pensou Selena. E quase de certeza que se tratava de dinheiro, porque Rhymnos devia andar com os seus problemas económicos.

Ou a vida dela numa pequena ilha grega já perdera a importância e poderia aquele pedido de ajuda envolver uma passagem de volta para a Grã-Bretanha?

Mas para fazer o quê… e para viver onde? Bem, dificilmente ali, com certeza, a dividir um quarto apertado com uma pequena cama de solteiro, sem mencionar a casa de banho que não era maior que um armário.

E além do ensino médio, Millie não tinha qualificações para nenhuma profissão, exceto o trabalho no bar e como empregada de mesa. E provavelmente já estava farta de ambos.

Certamente que ela não imaginava sequer que havia uma possibilidade remota de que a tia Nora entrasse em contato e ficasse tudo perdoado, ou imaginava?

Se fosse esse o caso, a Millie que sonhasse, pensou ela. A tia Nora está fora das nossas vidas para sempre. E porque não me telefonou se é tão urgente? Tendo em conta que lhe enviei o meu número ao mesmo tempo que o endereço.

Ela deu-se conta de que amarrotara a carta na mão e alisou-a sobre a bancada da cozinha.

O número de telefone que Millie informara demonstrava claramente que ainda estava a viver com Kostas no bar dele, batizado de Amelia em homenagem a ela. Mas talvez fosse apenas temporário.

E embora estivesse tentada a optar por ignorar e fingir que a carta não chegara, Millie era, apesar de tudo, sua irmã e precisava da sua ajuda.

– Não posso desapontá-la – proclamou em voz alta.

Preparando-se mentalmente, agarrou no telefone. A chamada foi atendida ao segundo toque. A voz era de um homem.

Manteve a voz calma e controlada.

– Kostas? É a Selena.

– Ah, cunhada, ligaste. – A muitos quilómetros de distância, ela pôde escutar o alívio na voz dele. – Como é bom ouvir-te. Mas eu sabia que seria assim. Avisei a minha Amelia para não se torturar de preocupação.

– As coisas obviamente têm sido… difíceis para todos – disse ela. Para dizer o mínimo.

– Exatamente. Agora, esperamos tempos melhores.

– Sim – assentiu Selena. – É claro. – Fez uma pausa. – A Millie está aí? Posso falar com ela?

– Neste momento, não, cunhada. O médico recomendou repouso e ela está a dormir.

– O médico – repetiu Selena, franzindo o sobrolho. – Queres dizer que ela está doente? O que se passa? É sério?

– Não posso dizer. É uma coisa de mulher, e ela sente-se assustada e muito sozinha. – Ele hesitou. – A minha mãe está cá, é claro, mas… não é fácil, como deves entender.

Podia apostar que não, pensou Selena, lembrando-se de Anna Papoulis nas suas vestes de viúva, com um lenço a emoldurar-lhe o rosto sisudo em que sobressaíam os lábios finos e amargos, sempre apertados de ressentimento em relação à esposa estrangeira do filho.

Porém, parecia que o casamento estava a sobreviver, o que era um alívio.

– É a ti que ela quer. Diz isso repetidamente e chora. – O tom dele tornou-se ansioso. – Se viesses… se lhe fizesses companhia por algum tempo… ela ficaria logo melhor. Sei que sim. E há um quarto para ti aqui na nossa casa. Preparei-o na esperança de que viesses.

O choque fez com que Selena ficasse em silêncio. E a incredulidade.

Rhymnos, pensou. Ele acha mesmo que posso voltar a Rhymnos? Depois de tudo o que aconteceu? Deve estar maluco.

– Não – refutou, por fim, num tom ríspido. – Isso é impossível. Tu sabes que é. Eu… Precisam de mim aqui.

– Mas as coisas estão diferentes agora – insistiu Kostas. – Já não tens nada a temer, cunhada. As pessoas foram-se embora – acrescentou, com a voz carregada de significado. – A ilha mudou. Estarás segura aqui. Segura connosco.

Pensava que estava segura antes. Acreditei que era a Millie que estava em perigo. Ainda assim, fui eu a ser traída e ainda carrego as cicatrizes.

Ele prosseguiu depressa:

– E a minha Amelia quer tanto ver-te, estar contigo. Não suporto vê-la desapontada.

Não, pensou Selena. Foi como tudo começou. Para que Millie não ficasse desapontada. Porque duas das suas colegas de turma iam passar férias na Grécia, pela primeira vez sem os pais, e convidaram-na para ir com elas. E ela chorou quando a tia Nora exclamou:

– Aos 17 anos? Nem pensar.

As lágrimas de ambas provavelmente não teriam resultado, mas os reforços chegaram sob a forma da Sra. Raymond, a mãe de Daisy, de quem fora a ideia da viagem, que, à sua maneira, era tão imponente quanto a tia Nora.

– Acho que devemos dar-lhes alguma independência na idade delas – declarou ela majestosamente. – Demonstrar que confiamos nelas. Afinal, irão para a universidade no ano que vem.

Daisy e Fiona talvez, pensara Selena secamente. Millie, apenas se começasse a trabalhar.

– E Rhymnos é pequena e tranquila, não está cheia de clubes noturnos, o que significa menos oportunidades para travessuras – acrescentou a Sra. Raymond. – O hotel também é gerido por uma família e tem uma boa reputação. As meninas querem tanto que a Millie vá e ela ficará desapontada se ficar para trás. Além disso, quantas mais forem, mais seguras estarão.

Tudo parecera bom demais para ser verdade, pensara Selena com repentina inquietação, à espera que a tia Nora mantivesse a sua opinião.

Mas, ainda que com relutância, ela acabara por concordar. E Selena encolhera os ombros, até porque aquilo não lhe dizia respeito.

Mas depressa percebeu estar completamente errada.

Porque, repentina e incrivelmente, aquilo passara a dizer-lhe respeito, virando a sua vida inteira de pernas para o ar.

Kostas estava outra vez a falar.

– Se for uma questão de dinheiro, terei todo o prazer em pagar o voo para Mykonos e o trajeto de barco. Só te peço que venhas… pelo bem da Amelia. Ela quer tanto ver-te.

Selena usou um tom frio para responder:

– Essa não foi a impressão que ela me deu quando falámos pela última vez.

Ele suspirou do outro lado da linha.

– Mas em todas as famílias, cunhada, há coisas que são ditas com raiva, das quais, depois, nos arrependemos. E estou a contar com a tua compaixão por uma rapariga doente.

Selena mordeu o lábio. Colocando as coisas daquela maneira, pensou, não podia recusar. E ainda assim estava ciente mais uma vez daquela estranha sensação de inquietação. Embora ele tivesse dito que as coisas tinham mudado.

Mas eu não mudei, pensou ela. Sei disso agora. E talvez nunca mude enquanto não tiver finalmente a coragem para enfrentar os meus fantasmas e derrotá-los. E talvez esse momento tenha chegado.

Respirou fundo, soltando o ar devagar.

– Muito bem, Kostas. Irei logo que conseguir um voo, que eu própria pagarei, mas, mesmo assim, obrigada. Entrarei em contato quando tiver os detalhes – acrescentou. – E deseja as melhoras a Millie por mim.

Ocupou o resto do dia a cuidar das tarefas da casa, tentando ignorar a pequena voz na sua cabeça a dizer-lhe que, claramente, não aprendera nada com os erros do passado e estava novamente a comportar-se como uma idiota.

Porque sabia bem que, muito provavelmente, Millie não faria as mesmas concessões se as posições de ambas fossem inversas.

Mas, provavelmente, conseguiria viver consigo mesma, pensou secamente. Ou não poderia – especialmente se aquela doença da irmã acabasse por se revelar algo realmente sério. E, nesse caso, que tipo de cuidados médicos Millie podia esperar num lugar tão pequeno?

Se ela precisar de voltar para a Inglaterra, pensou, lidarei com isso, mesmo que signifique arranjar um lugar maior para morar.

Decidiu ir para a cama cedo, tendo em conta tudo o que teria de fazer no dia seguinte, e esperando também que o sono silenciasse aquela voz de alarme – pelo menos por algum tempo.

Enquanto se despia, fez uma lista mental do que precisaria levar consigo para Rhymnos, lembrando-se que a temperatura no verão podia chegar aos 40 graus.

Agarrando na camisa de dormir, viu o seu reflexo no espelho de parede e fez uma pausa, indagando-se se os acontecimentos do ano que passara tinham-na mudado de uma maneira significativa. Mas, à exceção do cabelo curto, o seu olhar crítico não conseguia ver uma real mudança. Os seus seios ainda eram empinados e arredondados, a cintura era fina, a barriga estava lisa e as ancas gentilmente curvas.

Pareço, comentou para si mesma ironicamente, quase intocada. E descobriu que o seu riso deu lugar a um soluço.

Passou uma noite de insónia, agitada e ficou muito tentada, quando o despertador tocou, a simplesmente silenciá-lo, enfiar a cabeça debaixo das mantas e permanecer onde estava.

A saída de uma covarde, pensou irónica enquanto colocava os pés no chão e ia para o duche.

A sua primeira visita foi ao banco para levantar algum dinheiro e verificar a sua conta. De seguida, foi a uma loja de roupas baratas, ficando contente por ainda encontrar algumas bermudas de algodão, t-shirts e até um fato de banho do seu tamanho e dentro do seu limitado orçamento.

Partindo do princípio de que não tinha a certeza de quanto a sua estada duraria ou se regressaria a casa sozinha, reservou um voo só de ida na agência de viagens e comprou alguns euros, sabendo que teria de usá-los com cuidado porque não tinha condições para adquirir mais.

Mas a sua tarefa mais difícil ainda estava pela frente, lembrou a si mesma enquanto saía para a rua, sujeitando-a, sem dúvida, a mais desaprovação e a mais pressão. Exceto que daquela vez teria uma resposta positiva a dar. Um plano viável para o futuro.

Ouviu o seu nome a ser chamado e, virando-se, viu Janet Forbes a caminhar na sua direção com um sorriso.

– Estou tão contente por te ver – disse ela. – Estava mesmo com ideia de te ligar para conversarmos e bebermos um café. Estás muito ocupada?

– Não, isso seria ótimo.

Foram até um café com uma varanda com vista para o rio, onde, na sua movimentada margem, famílias inteiras apanhavam sol, saboreavam gelados e alimentavam patos.

– Eu queria dizer-te como estou contente por irmos trabalhar juntas outra vez no próximo ano letivo – começou a Sra. Forbes, enquanto bebericavam café à sombra do toldo.

– A Megan era uma boa rapariga e muito responsável, mas tive sempre a sensação de que ela desperdiçava muito tempo. Ao passo que tu…

Ela fez uma pausa.

– Nunca consideraste conseguir o diploma e tornares-te professora? É que tens jeito para a coisa. – Acrescentou depressa: – Não que te queira perder, é claro. Por favor, não penses isso.

Selena estava preparada para se declarar perfeitamente contente com a sua posição. Mas, em vez disso, para sua própria surpresa, ouviu-se dizer:

– Eu cheguei a entrar na faculdade, mas não fui além do segundo ano. – Forçou um sorriso. – Problemas de família.

– Bem, é uma grande pena. – A Sra. Forbes dirigiu-lhe um olhar pensativo. – Podes sempre voltar, como sabes. Nunca é tarde demais para recomeçar.

Isso, pensou Selena, é o que passo a vida a dizer a mim mesma. Talvez deva começar a acreditar.

– Um dia destes, talvez – concordou. – Quer dizer, eu adoraria, mas, de momento, tenho outras prioridades.

– Bem, tem isso em mente para o futuro. – A Sra. Forbes levantou-se e pegou nos seus sacos. – Detesto ver talento a ser desperdiçado. – Deu uma palmadinha no ombro de Selena. – Talvez quando tiveres resolvido os problemas da tua família.

Exceto, pensou Selena, observando-a ir, que ela não sabia da metade deles. E nunca poderia contar-lhe, nem a ninguém, o que acontecera dois anos antes.

Ou que ainda lidava com as consequências.